10/22/2006

A Hora da Baixaria

O azar foi eu ter lido o comentário justamente hoje. Ontem ou amanhã, eu apenas pensaria "É só uma mãe desconsolada, não vale a pena discutir. A discussão só é útil quando os debatedores estão dispostos a largar seus pontos de vista. Não sendo este o caso, brigaremos apenas inutilmente, e ao final serão duas pessoas mais magoadas. Eu, que cheguei a esta conclusão, devo ser estóico e não demonstrar qualquer sentimento, apenas deixar passar, porque sei que não vale a pena". Mas hoje eu estou cansado de relevar. De engolir as pedras que jogam em mim e guardar quieto, sem demonstrar lágrima. E estou com a musa belicosa atacada, coçando minha nuca, me assoprando idéias nas orelhas. Enfim: passividade é um caralho, bate em quem merece e pede pra apanhar. Se você não gosta de baixaria, pare por aqui. O que vem a seguir não é bonito.

Bom, pra quem não sabe do que se trata, pode voltar lá no post "A minha relação com o niilismo" e dar um lida no comentário de número cinco. Pra quem ainda está em dúvida, esclareço: é uma mãe que tem o filho fugido de casa. E eu elogiei a fuga.

"Sabe pq vc tem tempo pra ficar filosofando sobre o nada ?"

Eu acho divertidíssimo a pessoa ler um algo qualquer que eu escrevi - e pelo comentário vocês podem ver que leu assim por cima, ou simplesmente não entendeu o texto. Faltou capacidade. Esperamos que seja um embaralhamento do senso por causa da preocupação - e conjecturar quanto tempo eu tenho pra ficar pensando. Claro, que, se eu escrevi um texto grande e tão chato assim, é porque eu não tenho mais nada pra fazer. Eu não trabalho oito horas por dia, eu não estudo, eu não passo três horas e meia por dia dentro de ônibus, eu não tenho compromisso algum aos finais de semana, enfim, eu sou um vagabundo.

"Pq tem um pai e uma mãe que te dão casa, comida e conforto..."

Estou me sentindo confortabilíssimo, claro, como você pode ver pelo teor do que eu escrevo. Eu nem imaginava a situação na casa dela quando parabenizei a saída do rapaz. Mas agora é minha vez de fazer altas conjecturações. Eu imagino que a situação para ele fosse um saco. Um horror. Conhecendo como eu conheço o rapaz, acredito que ele seja inteligente demais pra se anestesiar com um pouco de casa, comida e conforto. Desconfio que foi por isso que ele saiu: para espairecer, que a vida é muito mais que casa, comida, e conforto. Aliás, falso conforto... Ele devia estar se roendo por dentro e até por fora. E fez muito bem em cortar o cordão umbilical sim. Ainda mais se o discurso aqui reproduzido também fosse o discurso corrente no tão confortável lar.

Será que eles são uns tapados também????

Que é isso? Era pra me tocar? Pra me chocar? Talvez funcionasse quando eu tivesse sete anos, sabe? Aquela fase em que a gente acha que os pais são heróis, que eles sabem tudo e que nunca vão nos decepcionar. Estranhamente, eu já passei dessa fase. Aliás, como todo mundo pode ver pela maneira como eu escrevo, eu sou metido e arrogante pra dizer que já me considero menos tapado que eles. Eles ganham de mim no quesito experiência, claro, mas deixe estar, que minha inteligência faz frente à deles. Ou então, se eu adotar o seu ponto de vista, posso dizer que eles são tapados de criar um filho ingrato feito eu. Seja lá como for, tenho que fazer um elogio a eles, já que eles não são tapados a ponto de sair pra brigar numa arena que eles não conhecem, contra alguém que pode bater feio neles e ainda expô-los ao ridículo a uma platéia que é muito mais do oponente que deles.

"o que eles construiram pra vc usufruir é nada ???"

Do que você fala? Da comida? Do casa? Se for isso, não será mais benéfico para mim que eu domine os meios de conseguir por mim mesmo, do que ficar para sempre parasitando. Será que você nem desconfia que eu já cheguei passei do ponto de apenas usufruir? Pela porra do texto que você leu lá atrás, você não desconfia que eu não quero ser um parasita? Ou você está falando da falsa sensação de conforto? Da alienação do mundo maravilhoso e terrível lá fora? Sim, isso pra mim é nada! Não, é hora de cortar o cordão, e deixar doer em quem tem que sentir dor. Se doer, melhor, é porque tem alguma coisa ali que tem que mudar.

"Cai na real garoto...."

O que você esperava? Que eu lesse suas sábias palavras, percebesse a minha ignorância e fosse dormir quietinho e chorando no meu canto, pensando em todo o mal que eu cometi? Faz-me rir. Eu não espero que ninguém aprenda nada com este texto. Imagino que a minha resposta nem chegará a ser lida. E se for, não é pra ajudar não. Como eu disse lá em cima, é baixaria. É pra doer mesmo. Pra humilhar. Mostrar que nem sobre um jovem de vinte e três anos que mal acabou de deixar as fraldas você consegue exercer alguma influência. É uma mostrada de língua infantil dizendo "Não do-e-eu", e que eu sei que se for lida doerá, por mais que as lágrimas se mantenham escondidas. Eu poderia dizer "caia na real", como tentativa de mostrar o que eu penso, que a vida é mais que casa, comida e roupa lavada. Mas não, eu não estou com vontade. Caia na real, você não tem capacidade pra me fazer sofrer. Vai continuar doendo em você, e amanhã eu vou acordar pensando noutras coisas, me preocupando com o que eu quero pra minha vida, e com mais certeza de que o que eu quero é melhor do que o que têm me mostrado por aí.

Entrada para a massa

Eis que qualquer dia andando pela cidade, já não lembro se vi num outdoor ou num nick de MSN - mas é fato de que vi nos dois, só não sei o que veio primeiro - ouço falar de um conjunto chamado O Teatro Mágico. Da sua proposta, ouvi dizer que mesclava teatro, poesia e circo numa apresentação musical. É claro que me interessei, afinal, seria uma proposta interessante de vida no meio do marasmo estéril da cidade. Então fui atrás, e após assistir uma apresentação, pesquisar no site do conjunto e ouvir atenciosamente o álbum, cheguei à conclusão de que eu deveria lembrar sobre a célebre recomendação de Schopenhauer sobre a arte de ler bons livros.

A primeira ressalva que eu devo fazer, e assim adianto a contra-argumentação básica, é que não é ruim, ou não é de todo mau. Mas não posso dizer que é bom. Os defensores dirão que é melhor do que muito do que há por aí, e eu poderei responder: de fato, é mesmo; no entanto, considerando o que há por aí, isso não constitui grande mérito. E a não-excelência é o grande pecado do conjunto; essa não-virtude que seria para qualquer outro, se não bem aceitável, ao menos compreensível. Perguntar-me-ão os que me estão a ler por qual motivo considero a não-excelência o erro fatal do conjunto. Respondo rapidamente: por causa da proposta do próprio grupo, estampada em seu site, em seus adesivos, na voz de Fernando Anitelli. O Teatro Mágico: Entrada para Raros.

A quem observa a platéia dO Teatro não escapa o pensamento: “Hoje eles devem ter aberto para o público geral. Porque raridade eu não estou vendo nenhuma”. O público da banda é o mais do mesmo da juventude dos óculos de aro grosso, quando muito. Quando pouco, é o ecletismo indefinido comprador de tudo que recebe o selo ‘brasilidade’ – seja lá o que for isso. Os defensores então argumentarão que não se pode julgar a banda exclusivamente pelo público que a ouve, e eu concordarei em partes. Exclusivamente não se pode mesmo, mas minha argumentação é que a produção do teatro é direcionada para este público, e somente para este. Esqueçam a raridade, ela é só um chamativo pra quem quiser se sentir especial por ouvir um som cult.

A introdução homônima é uma promessa de cura pero poder do signo, agora divino. O controle da palavra é o controle da divindade, a manipulação do signo é a manipulação da própria realidade, interior e exterior. Promessa belíssima. Ainda há a introdução ao álbum, o texto Sintaxe à Vontade, que parece uma gotinha do que está por vir: a exploração máxima das possibilidades sintáticas da língua. O texto todo é recheado de brincadeiras sonoras, aproximação de sentidos opostos por fonemas próximos, que têm lá seu gosto, mas cadê a Sintaxe? A segunda introdução mata o que a primeira promete, o álbum assassina o que resta de esperança de ouvir algo diferente.

Os arranjos musicais não chamam a atenção. São um sem-sal a mais, que vão ao encontro das letras também insossas, que têm como recurso quase que exclusivamente a relação de aproximação de significados pela semelhança fonética. Claro que o recurso por si só não é condenável, mas a repetição à exaustão transforma a apresentação numa tentativa de caça ao melhor trocadilho. O interesse dO Teatro Mágico não é a poesia. A repetição da fórmula sonora engana o ouvido desatento, e, no que tange ao senso-comum, poderia ser considerada “poesia”. Mas se a entrada fosse para raros mesmo, o senso-comum mal deveria ser levado em consideração. No máximo, como meta de superação.

O principal inimigo dO Teatro é a atribulação, a correria dos nossos dias pós-modernos. Para resistir às agruras cotidianas, foram eleitos dois temas salvadores: o amor, esse velho desgastado, e uma religiosidade anti-pressa. O amor é o mesmo amor romântico de todos os tempos, o esperar no outro a completude de si, o velho tema que nunca sai de moda e encontra no coração ávido da juventude eco pra continuar se reproduzindo. É o tema mais propício pra transformar música em mercadoria, enfim. Como eu não me canso de repetir, e que fique bem claro, por si só não é defeito. Só não é raridade. A religiosidade é uma prece sem forma a uma força não declarada, algo assim para não assustar nem gregos, nem troianos. No fim, não encantam e também não servem pra fazer frente a força esmagadora do nada onipresente do cotidiano.

Talvez, a única exceção fique por conta de Zazulejo. É um olhar sobre o português não-padrão que aparenta ser bem compreensivo. Mas não deixa de ser a visão patronal, que se detém um pouco sobre esta modalidade para logo em seguida esquecer quase que completamente dela, e levar consigo só a religiosidade quase infantil que é identificada na fala do outro. É cruzar com o outro, perceber o outro, mas levar da experiência só aquilo que já é constituinte de si mesmo. Quem sabe se não é esse o meio pelo qual chegar ao ideal quimérico de “se junta tudo numa coisa só”. Ignora antes as diferenças e tenta apressadamente aglutinar o mínimo de semelhança presente, num processo que, a meu ver, só pode ser alienante e alienador.

Enfim, O Teatro Mágico só será do interesse de quem busca momentaneamente anestesiar os sentidos e o cérebro numa apresentação fragmentada entre música simples, letras simples, artes circenses, tudo ocorrendo ao mesmo tempo. Basta parar e prestar atenção, e não se encontrará muito mais que isso. Pode ser até que algum raro desavisado acabe indo assistir a uma apresentação (que tem hora de cantar junto, hora de rezar junto, hora de bater palma pra mesma poesia de sempre – apresentação com ordem decorada e repetida que os fãs saberão de cor), mas dificilmente você os encontrará novamente. É para abocanhar aquela fatia do mercado que o CPM 22 tem dificuldade de alcançar. Com alguma sorte, ou ambos estarão esquecidos dentro em breve, ou O Teatro encontra o rumo.

10/07/2006

Do marasmo {do tédio [da inércia (do silêncio)]}

Não é que eu não tenha mais idéias. Apenas não tenho ânimo.