12/22/2005

Rascunhos

Sabe, aquela ótima idéia que quando cai no papel tem um efeito midas ao inverso. Pois é.

***
Baratinhas

Mamãe

Hoje eu comi baratinhas
Elas vinham em uma caixinha
toda vermelhina
com um emão amarelão

Eram crocantes por fora
E maciazinhas por dentro
Fritadinhas e salgadinhas
Estavam bem gostosinhas

Mamãe,
Hoje eu comi baratinhas!

***
Improviso Medíocre (de gente e de poesia)

Um sobe, outro cai
As eras se vão
Os governos mudam
Os homens continuam iguais

Um sobe, outro cai
As bombas explodem
As pessoas morrem
Pra frente a humanidade se esvai

Eu sim, outro nunca
A tristeza é lei
O pior é rei
Se mover, só co'a água na bunda.

***
Que jeitinho mais feliz:
Coçadinha no nariz
E um sorrizo tão gostoso.


Meiguisse, não Não há igual
E rivaliza candura
Em ser tal qual rosa pura

Tem um quê de pequenina
Seu jeitinho de menina
Em seu corpo de mulher

***

linha e outra. As linhas também não eram escritas, mas Gustavo as havia visualizado num desenho novo no final da tarde. Lembrava-se da sala desarrumada, o ventilador girando quebrado marcando metrônomo ventilando dois amigos discutindo Pearl Jam e Nirvana, três amigas sentadas relembrando o dia, ele e ela no sofá apertado. Reunião de meio de semana, aproveitando metade da vida livre, metade do dia livre, volta do trabalho, semana de folga. Seria apenas mais uma reunião entre amigos se não fosse meio homem do que eu costumava ser, partindo num trem sulista, tocando ao fundo e em duas bocas e mãos dadas. Não era a primeira, nem a segunda vez que os dois cantavam junto a mesma canção, nem que a mão dela procurava a dele, nem que ela aceitava carinhos no cabelo. E enquanto Gustavo redesenhava a cena em seu olhar distante, ao mesmo tempo pensava na possibilidade de as duas bocas que antes cantavam o mesmo pôr do sol desaparecer em cinza se encontrar e tocar no mesmo silêncio.

Por isso a pequena torre - lista de nomes permeada de frases, rostinhos amarelos, corações - azulada na caixa de brilho azulado não tinha tanta significação quanto na noite passada.
Astigma
Bozzolino
Bruninha
Crackerman
Japonês
McCready é rei
Já tinha cumprido o ritual de saudar alguns deles, mas não desejava de fato conversar com nenhum. Não dos que estavam verdes aquele momento.
Astigma
Bozzolino
Bruninha
Crackerman
Japonês
McCready é rei
Limitava-se a risadas, emoticons, oks, monossílabos.
Astigma
Bozzolino
Bruninha
Crackerman
Japonês
McCready é rei
Nihilôminia
E a noite ganhava novas cores e dúvidas. Correr até a montanha, correr o risco de deixar montanha saber da sua vontade? Esperar a montanha vir, e fazer trezentos e sessenta segundos caberem dentro de um minuto? Enquanto a seta se arrastava até a lista, um quinto da barra piscou em laranja. O triangulozinho inclinado rapidamente mudou de direção, e um botão esquerdo fora dali fez uma nova janela surgir à vista daquele que controlava os movimentos:

Nihilôminia diz:
Olá...

As reticências são muito diferentes da fala de pontuação ou da exclamação. Elas sempre estão carregadas de valor negativo, de desânimo. Alguém parou para pensar em outras coisas no caminho entre o sofá apertado e a tela azulada.

Gus - Isn't you, Isn't me - diz:
Olá.
O que foi?

A voz, o olhar, os gestos, a respiração, esses sempre nos traem. Por mais que se esforce para escondes um desses, ou todos esses, sempre há uma escapada que nos deda. Durante a tarde, pouco antes do sofá, ou talvez durante ele, Gustavo havia percebido o tal do olhar distante. Mas isso foi antes das canções.

Nihilôminia diz:
O que? Nada...

Claro que se não fosse nada, ela não colocaria reticências duas vezes, nem teria perguntado e depois respondido. Frente a frente sim, a distância, nunca. E também se não quisesse falar sobre, seja lá o que fosse, não faria charminho.

***


2 Comments:

Blogger GG said...

admito, li só o das baratinhas... mas achei engraçado (hahaha)!!! - pra dar um efeito sonoro...

6:08 PM  
Blogger Karina said...

[ que salmo? do meu blog...]

4:54 PM  

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