9/15/2005

Oceano

Eram muitas vezes - tantas que até se perde a conta, mas, com certeza, mais do que uma - uma calçada. E sobre ela, foram espargidas gotas de água. Minúsculas gotas d'água - tão pequenas que elas não podiam notar que a calçada fazia parte de uma rua, que se encontrava num bairro, que fazia parte de uma cidade, que formava um sistema com outras cidades, que se encontravam num mundo redondo e cheio de vida. E como não podiam perceber tudo isso, as gotinhas se limitavam a ficar paradinhas em sua calçada, até que o tempo e o clima as evaporasse. Mas tão logo elas se encontravam no éter, já se precipitavam novamente para o chão onde teriam um apoio.

E a cena se repetiu por seis dias ou seis mil anos.

Mas um dia uma gotícula se cansou disso. Decidiu que não seria mais escrava do tempo ou do clima. E no momento em que a decisão foi tomada, ela pode olhar para cima e ver o sol. E o sol olhou para baixo e a viu. Estendeu um dos seus raios, e a gotinha subiu por ele. E lá do alto a gotinha viu muitas coisas. Viu todas as calçadas secas. Viu todas as calçadas espergidas. Viu calçadas com poças. E foi presenteada com a mais bela visão que qualquer um já vira, vê ou verá em sua vida. O oceano, com todos os lagos e rios fluindo para dentro de si. E o sol baixou um de seus raios, por onde a gotinha desceu e se encontrou com aquela maravilha.

Ela era o oceano, e o oceano era ela.

A gotinha compreendeu que toda toda gota nasceu para aquele momento, e aquele momento para cada gota. E o oceano, onde cada gota seria una com cada gota, deveria ser apresentado para cada gotícula que existe. E quando a compreensão aconteceu, mais uma vez ela subiu pelo braço quente do sol. E foi chover lá na calçada de onde saiu.

As gotas não acreditaram na gotícula. Não acreditaram no oceano. Não acreditaram nem que o calor da calçada era apenas um reflexo do calor do sol lá em cima. E quando o calor fez a gotinha evaporar, as outras gotas deram graças ao clima que viviam amaldiçoando.

Mas uma outra gotinha ouviu. Olhou para cima, e viu o raio do sol chamando. E subiu para o abraço quente, de onde ela pode visualizar tudo. De onde ela pode descer para o oceano e subir de novo. Agora as gotinhas teriam sempre uma à outra.

Seria injusto um "foram felizes para sempre".

Porque seria injusto um oceano todo só para duas gotinhas. Um sol todo para levar só duas gotinhas. Então elas decediram viajar de calçada em calçada, poça em poça até que todas as gotas pudessem olhar para cima e de cima para baixo. Sabiam que inexoravelmente todas as gotas poderiam fazê-lo, porque o oceano é para cada gota, e cada gota para o oceano.

Não importa se em seis dias ou seis milhões de anos.

3 Comments:

Blogger Emil said...

É sempre bom preparar o espírito do próximo post.

E sabe que eu não lembro?

7:41 PM  
Anonymous Anônimo said...

bonito, mas as cosas não são tão fáceis assim...

11:03 AM  
Blogger GG said...

bonito, mas as cosas não são tão fáceis assim...

11:03 AM  

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